Você é como um mímico. Daqueles das histórias fantásticas. Você passou muito tempo apanhando pelos mandos e desmandos das etiquetas secretas da sociedade, mas acha que está quase lá. E está. Um gesto, um costume: percebido; analisado; incorporado. A persona se constrói a partir de centenas de dados. Uma linha se forma -- vetor de ação. Imita-se.
Um ovo de chupim, destacando-se sereno dentro do ninho. Você ficou muito bom nisso, na verdade. Seu cérebro é quase cromatofórico, capaz de se embrenhar em conversas cavernosas, terríveis, heteronormativas. O cheiro de agrotóxico, que parece muito(!) o cheiro de merda, já nem te incomoda tanto. O glifosato já se tornou parte da sua neuroquímica. Talvez seja impossível sorrir novamente sem veneno no seu sangue.
Todos os hectares de soja, inarticulavelmente expansivos. Dói a cabeça só de tentar conceitualizar uma vastidão tão... vasta. De plantação. De agro. Rodeando minha casa. Um sinal para quem passa: tem coisas aqui que devem ficar aqui. Esse recanto esquisito da geografia interiorana, onde cada urbe parece uma cidadela escondida, tão remotas entre si. Para que o mímico fique aqui. Para que o mímico não perceba como emular a vida real, Lá Fora, é muito mais difícil. Lá onde o Firmamento é cheio de estrelas, onde todo gesto é simultâneo, paralelo, co-incidente, muitos dados a se processar. Falha geral no sistema. Overdose do Real.
Mas a máquina se levanta. O motor funciona, o painel acende, é só uma questão de saber aonde ir. Por onde começar. Sim! Por onde começar, se tudo acontece ao mesmo tempo, a todo momento? A pergunta paira no ar, envenenado por pesticida e uma fumaça quente, cuspida em ritmo zero pelo carburador. Levanta-se um pé, tenta-se caminhar. Reto ao chão. Algo está faltando. O sangue pulsa, desce até os corpos cavernosos, mas aonde vai depois disso?
Camarada, se vira. Imita o que te falta. Ou isso, ou a morte.