Não me pergunte o meu nome, pois tenho muitos. Como um camaleão, ao andar por essas ruas sem dono, descamo minha identidade, e assumo outras mil. Não me pergunte o meu nome, pois às vezes, não tenho nenhum. Os pedestres que caminham entre as placas de neon desta cidade deixam pra trás detritos, pedaços de ego que fluem entre o ser e o não-ser; que tintilam em segredo ao caírem no chão; que logo sublimam, deixando em aberto se já existiram e se voltarão a existir. Não passam por aqui pessoas inteiras, mas identidades, que se atravessam, entrelaçam, se confundem comungando em uma breve ideia do que une-as, ou divide-as, todas.
Não há solidez entre os muros desta cidade; há apenas o amplo espaço do possível. Seus urbanitas conversam sobre o dia que talvez tiveram; sobre partidas de jogos imaginários; abraçam-se, sem saber se os membros conectam com o corpo. Quando aceno um adeus, minha mão nunca realmente para de se mexer: o ato se congela no espaço, imagem residual de que por ali passei. Se é que passei. Se é que era eu. Assim, quando caminhamos pela cidade, deixamos recordação de que um dia fomos, carcaças de um momento que logo será pisoteado pela marcha irrefreável do agora. Pois não há passado entre os muros desta cidade; há apenas o presente. Historiadores quebram suas cabeças, enquanto os cronistas colecionam momentos e estórias de pessoas que talvez ainda vivem, mas já não existem: os poucos nomes que pairam sobre o inconsciente coletivo, e que se agarram a qualquer eu disposto a, por um breve momento, aquilo ser.
Não me pergunte o meu nome, pois este nome não possui dono. Foi reciclado, mastigado, digerido e recomposto tantas vezes, como todo substantivo que ousa ser próprio. Não há significado concreto nos dizeres e ações que acontecem nessa cidade. Aqui, tudo que é sólido se desmancha no ar; tudo o que era sagrado se profana. Tudo opera baseado em suposições, pois não há verdade concreta, apenas o que o contexto e o relance podem dizer. O cenário, tão mutável quanto seus ocupantes, se inverte e se desdobra sem aviso. Palavras se sinonimizam e trocam de lugar; fotografias idênticas mostram lugares e sujeitos distintos; o ambiente transita junto aos pedestres. Por aqui, a estrutura brinca com os agentes; abstrato e negativo raramente originam o concreto; reina o fenômeno.
Ainda assim, os movimentos que faço neste espaço impossível são tão reais quanto os do mundo imanente. Toda pele que habitei me trouxe uma nova experiência. Toda vista que testemunhei me trouxe uma nova perspectiva. Todo momento que vivi, carrego comigo. Se até mesmo no mundo positivo é impossível comprovar a existência, qual é a utilidade em se agarrar a ela? A cidade, então, se mostra não como uma negação da realidade, mas como uma admissão do que ela pode se tornar. Nesta urbe, desfazemo-nos das amarras do perene, e abraçamos o jeito mais autêntico de ser quem realmente somos. Abraçamos a absoluta liberdade do querer-ser.