Dia 24 foi... interessante.

    Tardei a escrever sobre os eventos da Véspera de Natal por pura preguiça. Mas acho de extrema importância fazê-lo, pois o assunto é sério. É sobre perdão. Sobre seguir adiante. Algo que eu nunca achei que ia conseguir fazer.
    Aqui acho importante fazer a distinção entre o perdoar e o esquecer. Não são, e nunca deverão ser sinônimos. Esquecer é, absolutamente, apagar o erro da memória - perdoar, do outro lado, é seguir em frente tendo em mente o que aconteceu. Quer dizer, você não deve perdoar "completamente", porque é autodepreciativo. Muitas das respostas da vida se encontram nos meios-termos. Mesmo sabendo desta dualidade, não pratico o que eu mesmo prego. É tudo oito ou oitenta - enquanto logo esqueço os maus tratos menores por pessoas rudes de ego sufocante, pessoas mais impactantes raramente conseguem tirar de mim algo além de um sorriso de gentileza falsa e quase sarcástica. Raramente considero alguém digno de uma segunda chance e, sinceramente, não deveria ser assim. As pessoas mudam. Seus hábitos, suas ideias, suas vidas. Quem era ontem, pode não ser mais hoje.
    E aqui começo a falar sobre o que aconteceu no Baile do Hawaii. Em uma única palavra, álcool. Em outra palavra, sinceridade.

    Primeiro, uma velha amiga. No meu desastroso aniversário de 16 anos, por motivos que não discursarei sobre agora, me jogou em uma depressão profunda. Me deixou em um ponto tão baixo que não pensei haver volta. Lá estava ela, com o namorado. Primeiramente, fui cordial, contra a minha própria vontade. Mas a cada vez que encontrava ela em algum canto da festa, enquanto olhava pra multidão presente, mais voltava a mim que, além de o estopim de um momento terrível da minha vida, ela ainda era (olha só) um ser humano. Parecia errado renegar uma segunda chance a alguém que, muito provavelmente, não fez por mal. Ela havia tentado se reconectar antes, mas, como você deve ter imaginado, não foi muito bem. Foi péssimo, na verdade, e ela teve sorte de eu não ter redobrado meu rancor. Dá nada, as pessoas eventualmente aprendem a pedir desculpas, mesmo pessoas como ela.
    Encontrei ela chorando numa cadeira. Problemas com o macho. Conversamos um pouco e, acho que não oficialmente, ali abaixei minhas guardas. Álcool, amigos, álcool. O que passou pela cabeça sóbria dos legisladores americanos para proibir uma santidade destas?
    Por último, mas definitivamente não menos importante, meu irmão. Nunca pareceu um irmão. Talvez um amigo da família, mas integrante? Difícil. Não apenas por estar longe de casa (este tipo de coisa não podemos controlar), mas todo o seu histórico comigo e com a nossa irmã. Completo abuso, por anos a fio. Quando comecei minhas sessões de psicoterapia, pude perceber o quanto das minhas inseguranças e tristezas originam da convivência sádica que tinha com o meu irmão. Por isso, uma lacuna se abriu entre nós. Uma lacuna que eu nunca procurei preencher. Se foi ele quem a abriu, pensava, deve ser ele quem deve fechá-la, e ele não aparentava interessado. Mas, recentemente, ele parecia disposto a desfazer uma parte do estrago. Parecia ter genuíno interesse no meu bem estar e, seguramente afirmo, isso nunca aconteceu antes. O Pietro que eu conhecia, o irmão sádico e individualista, teria ele possivelmente mudado? Até agora me pergunto. Até agora, a dúvida me assombra. E ainda que aceitasse suas iniciativas, parecia que de nada adiantaria, estando nós dois tão longe um do outro.
    Mas o Natal mudou isso. O Natal trouxe meu irmão para perto e, por ocasião do Baile, estávamos os três irmãos reunidos. Os três, claro, levemente alterados. Mas meu irmão, subitamente, parecia tomado por uma crise existencial. Encontrou eu e Estela conversando e se juntou a nós. Cada amigo dele que passava, nos mostrava como um pai orgulhoso do filho. "Olha como essas crianças cresceram". "Meu Deus, o tempo passa". Falou sobre a experiência de ser um jovem adulto. Sobre emprego, faculdade, substâncias, momentos marcantes. Confessou uma coisa que me chocou levemente, mas logo pensei "ah, é o Pietro né, é a cara dele fazer esse tipo de coisa". Tirou uma selfie com a gente. Uma. Selfie.
    Resumidamente, demonstrou-se irmão. E ambos eu e Estela perdemos o chão. Não sabíamos dizer o que acabáramos de ver. Francamente, não sei se nenhum de nós ainda sabe, direito. Direito, como o curso dele. Direito, o tipo de irmão que esperávamos dele há muito, e ele tardou a mostrar. Só que antes tarde do que nunca, né? Quer dizer, eu quero mesmo continuar a manter relações corporativas com alguém da minha família imediata? Eu quero mesmo me abrir pra alguém que me fez tão mal antes?

    Não sei a resposta ainda. Tudo indica que é um sim. Mas não sei. É perigoso. É estranho. Sim, é excruciantemente estranho. Mas... não é o certo a fazer?





a música do dia é Froot, mas deveria ter sido WASH, da Miki Matsubara: wash, wash, darling~ wash your heart