Tem uma série muito boa no YouTube chamada "Down the Rabbit Hole", no canal de Fredrik Knudsen. São vídeo ensaios sobre vários assuntos: furries, instrumentos musicais, experimentos, enfim. No dia em que escrevo isso, a série se compõe por 26 episódios, de em média 45 minutos, discorrendo em certo detalhe sobre a história por trás de um fenômeno ou acontecimento. Em especial, lolcows. Um termo talvez desconhecido para o internauta comum brasileiro, lolcows são "vacas leiteiras do lulz (riso)"; ou seja, personalidades que frequentemente são motivo de deboche seja online ou offline. Apesar da obscuridade do termo, temos várias lolcows no mundo tupiniquim: nomes como Tulla Luana, Tidinha, Paulo Kogos e Lolly Vômito são figuras conhecidas pelo público brasileiro que se encaixariam com facilidade na definição de uma lolcow. Pessoas mais conhecidas dos cantos sem luz da Internet poderiam também citar Fábio Honorato, Rica Games, entre outros fenômenos mais bizarros porém melhor contidos.
Enfim, muitos vídeos da série destrincham detalhadamente estas lolcows; suas histórias, seus primeiros contatos com o estrelato e, inevitavelmente, sua queda. Porque histórias como essa nunca terminam bem - são sempre pessoas incapazes de vir a termos com a realidade, tanto num sentido de pura húbris como num sentido clínico (i.e. doenças psiquiátricas). Tidinha se agarra, bizarramente, aos tempos quando a TV brasileira (há pouca diferença entre a mídia e hienas) alimentava sua identidade como superfã da Xuxa; hoje surta sobre a mesma frente a uma câmera, gravando e editando seus surtos para produzir um resquício de popularidade. Tulla Luana já foi muito mais do que uma esquizofrênica permanentemente confinada à sua cama, como algumas velhas fotos indicam, mas hoje, como finalmente encontrou um cônjuge capaz de atender seus luxos, este triste epíteto conegue sumarizá-la.
Mas não estou aqui para cagar na cabeça dessas pessoas. Sim, em geral não gostaria de me associar a nenhum desses nomes (a ridicularização que essas pessoas sofrem não é sem algum embasamento), porém isto não vem ao caso, no momento. Gostaria de refletir um pouco sobre a natureza do fenômeno das lolcows. Pois são histórias quase que predeterminadas: toda lolcow irá passar por um momento de pequeno, porém fiel estrelato, lentamente erguerá sua fanbase até um ponto onde a pessoa relizará algum ato de extremo lulz, originando um último momento de brilho, insuperável, que será seguido por uma lenta e dolorosa morte - às vezes, literal morte. Casos como o da dona do Purr Cat Café, que tentou se matar usando remédios pra dormir após várias tentativas fracassadas de abrir seu negócio. Casos como o de Terry Davis, gênio da computação que criou o "TempleOS", o sistema operacional divino, que morreu ao relento após perder a casa, enquanto era ridicularizado por seus fãs online. Às vezes, a própria lolcow arrasta outros em sua trajetória, como é o caso de Richard Janczarski, um jovem universitário que tirou a própria vida após ser renegado por seu ídolo, Gene Ray, um velho lunático criador da "teoria do cubo temporal" (se essa descrição parece bizarra e abstrata, você ainda não viu nada.).
O ponto que quero fazer é simples: são pessoas quebradas, com vidas quebradas, e finais quebrados. Um ponto comum aproxima essas crônicas: o riso. O deboche. O ridículo. Essas pessoas acabam fazendo alguma fama, sim, mas ao custo de sua dignidade - muitas vezes sem perceber. Terry Davis talvez não teria acumulado tantos fãs se, quase no ápice de sua esquizofrenia, não chamasse seus inimigos de "pretos da CIA que brilham no escuro". É cômico, sim! Hilário! Mas ao mesmo tempo, trágico. Terry estava expondo seu mais profundo vitriol ao público por conta de sua doença, enquanto a Internet ria. Ninguém procurou ajuda para ele. Ninguém foi atrás de meios para tratar sua saúde mental. Todos riram. Terry perdeu sua casa, sua família, e ainda assim fazia livestreams na rua conversando com sua fanbase diminuída. No seu derradeiro fim, o que lhe restou foi servir de espetáculo para abutres elétricos.
A Internet se torna, mais uma vez, uma máquina sistemática de exposição do lado mais tenebroso do ser humano. Pessoas quebradas, de um lado, se tornam macacos adestrados dançando conforme a música, procurando validação na efêmera fama cibernética. Pessoas quebradas, do outro lado, debocham da precariedade da vida alheia, sem ver humanidade na alteridade, encontrando distração para os próprios problemas na hilariedade do problema dos outros. Mas chega uma hora que o show cansa, e a plateia sai do teatro procurando nova diversão. Chega uma hora que só resta a carcaça destroçada, e os abutres já não têm muito o que mastigar. Chega uma hora que as mamas da vaca secam, e a pobre bovina se encaminha para o abate. Claro que esse fenômeno nunca foi exclusivo da Internet: como disse antes, há pouca diferença entre a mídia e hienas. Quando uma então celebridade começa a cair em desgraça, seu rosto preenche os tabloides, não como soliedariedade com uma pessoa em crise, mas como mero schadenfreude. Foi assim com Amy Winehouse. Britney Spears. Lindsay Lohan. Figuras públicas que passaram por vários momentos de dor interior, abandonadas e rechaçadas pela mídia americana (gostaria de mencionar casos nacionais, mas nada me vem à mente no momento).
Acontece que a Internet facilitou muito a disseminação da pecuária de lolcows. Existem sites inteiros dedicados à prática de encontrá-las, reunir informações e manter um histórico atualizado de toda a trajetória da figura, como o Kiwi Farms, que inclusive possui uma forte presença brasileira na sua seção internacional. Existem áreas inteiras dedicadas a lolcows notórias. Na era da Internet, fica muito mais fácil não só reunir dados pessoais e os rastros digitais de uma pessoa, como também incentivá-la ao ridículo. E aí temos um grande perigo. Hormonizar o gado leiteiro. Talvez essas pessoas, eventualmente, encontrariam jeitos melhores de lidar com seus demônios interiores. Talvez encontrariam no espaço físico melhor consolo que no espaço virtual. Porém nunca saberemos. As lolcows, então, justificam seu nome. Uma espécie de agroindústria do humor negro, a Internet sistematiza a exposição, ridicularização e manipulação de pessoas vulneráveis.
Pessoas vulneráveis, sim. Mas apesar dos apesares, continuam pessoas. Ainda procurando seu lugar no mundo, como muitos de nós - pelo menos, como eu. Por isso, fica um aviso. Todos nós somos novilhos em potencial, ainda mais no clima político de hoje, em que todos sentem uma profunda dissatisfação com o mundo, mas sem saber o culpado. Todos nós, de alguma maneira, nos sentimos enganados. Traídos. Quebrados. Então tome cuidado quando decidir se expor nas redes. Mesmo o pecuarista pode acabar do outro lado de uma ordenhadeira.