A torre

    Todos esperavam que um dia, a torre fosse cair. Estava velha, abandonada, era simplesmente grande demais para permanecer de pé por si só. Ninguém sabe quem construiu a torre; quando chegaram lá, a torre já estava erguida, perfurando as nuvens. Talvez fosse algum homem de fé tentando alcançar os céus. Talvez fosse a obra de algum adinheirado, a vigiar seus extensos alqueires de terra. Os mais criativos achavam que era a antiga morada de um lendário feiticeiro, como nos contos fantásticos de tempos imemoriais. O importante é que a torre estava lá, contando uma história sem começo, meio ou fim; um livro fechado que residia apenas na imaginação.

    A torre causava certa divisão entre a população. Muitos apreciavam sua presença, seu mistério. Pessoas de vários cantos do mundo vinham para ver sua verticalidade imponente, e isso era bom para os negócios. Deve-se dizer, não era uma estrutura feia. Se não fosse por suas proporções ciclópicas, se conurbaria melhor com o resto da cidade. O enigma da torre atraía turistas, historiadores, artistas, até escaladores - ninguém nunca conseguiu chegar ao topo, mas não faltaram tentativas. A presença da torre, como era de se imaginar, se enraizou no ethos da região. Todos conheciam sua (falta de) história, todos já foram (ou conhecem alguém que foi) visitá-la. Pastores volta e meia levantavam pequenas multidões para peregrinar até a torre, elevando sua presença epopeica como um símbolo do sublime divino, um pilar a sustentar o Firmamento.

    Mas nem todos consideravam a torre aprazível. A protrusão que irrompia o panorama causa fortes impressões a todos que a comtemplavam - nem sempre boas. Parecia impossível conciliar o paradoxo imanente que a torre apresentava: uma construção tão humana, mas que existe antes dos homens; um artefato tão conhecido que, ao mesmo tempo, sabe-se nada sobre; um edifício tão majestoso, sem nenhum propósito aparente. Alguns sentiam-se oprimidos pela existência da torre, como se ela vigiasse constantemente todo o vilarejo. E talvez realmente vigiasse - o que restaria mais a ela fazer?

    Ainda existia um terceiro grupo: os que tinham pena. Se a torre foi realmente a obra de um homem de fé, se ele conseguiu com ela alcançar domínios cerúleos, a pobre torre ficou para trás, entrada negada aos portões da eternidade. Se a torre era vigia dos terrenos imensos de algum homem poderoso, este já não existe mais, e suas terras não são mais suas. A torre agora é forçada a observar e vigiar a terra de seu mestre sendo ocupada por estranhos, que não apreciam de todo coração sua presença. Se a torre era o lar de um poderoso feiticeiro, este agora mora em outro palácio, e deixou a torre para trás. Como todas as outras moradias abandonadas, a torre se tornou amarga, inóspita, hostil. Uma construção sem uso é como uma pessoa trancada dentro de sua mente, sem nada a fazer a não ser ponderar sobre sua solidão. Todos sabemos o que acontece com aqueles que ponderam demais: ficam loucos. Talvez seja essa a resposta das contradições que habitavam a torre; ela se recusava a fazer sentido para as pessoas, incapazes de compreender e compadecer com seu pesar.

    O fato é que, um certo dia, a torre caiu. Não foi sem aviso: uma semana antes, as autoridades perceberam sua inclinação nascente e, às pressas, construíram estruturas provisórias para tentar manter a gargantuesca de pé - mas já era tarde demais para tentar ajudá-la. Em tempo, uma explosão foi escutada por toda a cidade, enquanto a torre suavemente se deitava, trazendo gritos de desespero e olhares incrédulos para toda a população. O barulho ensurdecedor de tijolos de pedra vindo ao chão logo se distanciaram, seguindo a torre em seu caminho infinito de destruição para além das muralhas da cidade.

    Para alguns, a queda da torre foi uma profunda tristeza, ver um símbolo tão querido colapsar no peso da própria existência. Para outros, a pena foi superada pela alegria de ver uma equação irracional finalmente encontrar solução. Mas para poucos, e talvez para a própria torre, sua queda foi um suspiro aliviado; um grito de liberdade.