vanílico II

   Foi num desses dias que dá sol depois de tempestade, que na sombra é frio, ar denso, mas o sol inegavelmente brilha.

   Eu dei um trago no beck, pensando na música da PinkPantheress que, como muitas outras já, dediquei em memória de ti. Lembrei daquele print do teu celular, no blog. E não consegui deixar de lembrar que, no dia anterior, eu tinha tido uma crise de ansiedade pantagruélica só de ter sido pressionado a marcar o encontro com alguém que eu não tinha dúvidas de ser atraente -- e isso me fez perder a chance do encontro acontecer. Seria meu primeiro no aplicativo. Queria "treinar", antes de ver.

   E não consegui deixar de imaginar o outro mundo, onde eu nasci no Rio, e nunca tive nenhuma crica com corpo, com sexo; e te encontrei no Grindr, e vi tudo como estava no print do blog, e ainda assim, mesmo que a faceta de poeta sempre tenha muito mais me encantado que a de pornógrafo, eu me interessei por ti; e disse que queria te encontrar pra mais do que só uma transa; e você aceitou, e a gente conversou e viu que talvez não daria muito certo; e a gente deixou pra lá.

   E não consegui deixar de pensar como, nesse mundo, existem buracos que você preenche tão bem, e outros que, no escuro, dilatam; e buracos que eu tento preencher, sem visão de onde estão. E não consegui deixar de pensar como esse mundo é um tanto pior do que esse outro, imaginado, onde o resto do mundo é tudo igual, menos essa parte da nossa história.

   Dentre meus dedos, o beck tomou uma forma fálica. Acabando, apaguei-o num buraco cilíndrico na janela. Deslizou adentro, sem resistência. Soquei a ponta da bituca contra o buraco repetidas vezes, tentando esvair a brasa.